31 de março de 2009

Estupidocracia

Hoje senti-me mesmo emigrante. E emigrante estupidificado com a burocracia e falta de rigor.

Há cerca de um mês atrás, marquei “cita” para tirar o NIE – Número de Identificação de Estrangeiro. Pareceu-me tudo bem organizado, marcação via telefone, ver estado da marcação via internet, envio de sms para confirmar “cita”, etc.

Neste momento, a odisseia que passei e os 10€ gastos (mais bilhetes de metro), não me servem para nada mas, caso alguma empresa espanhola queira contar com os serviços deste talentoso marketeer, poderá servir. Digamos que é pensar num futuro com 5% de probabilidade de vir a acontecer.

Mas não foi só dinheiro e tempo que provavelmente perdi. Perdi, pela primeira vez que estou em Madrid, a paciência.

Pensei em várias formas de contar esta estória e escrever este post, e julgo que a melhor é por factos. Assim:

16.40h – Saio da empresa e dirijo-me alegremente de carro para casa.

17.15 – Deixo o carro em casa e saio em direcção ao metro Parque de las Avenidas com destino a Puerta de Toledo, estação de metro do outro lado da cidade => 10 estações; 2 trocas de linha; 35 minutos

17.55h – Entro nas instalações da Direcção Geral da Policia e Guarda Civil.

João: Hola, tengo cita previa.

Senhor: De que nacionalidad eres?

João: Portugués.

Senhor: No es aqui. En la internet la direccion esta errada. Tienes que ir a otro sitio…

Muito bom. A informação na internet está errada e agora o emigra tem de ir para o outro lado da cidade de novo.

18.05h – Reentro no metro em direcção à estação de Estrecho.

18.35 – Chego ao destino e já na rua pergunto a um simpático “tio” espanhol onde é a calle que me indicaram. Aponta-me na direcção exactamente contrária para onde deveria ir e fez-me andar 15 minutos às voltas até encontrar a rua e o edifício certos.

18.50h – Chego e coloco-me na fila. Mandam depois entrar 20 pessoas de uma vez e vão todos para uma sala de espera, qual turma do primeiro ciclo. Um responsável dirige-se aos emigrantes e pergunta se temos isto e aquilo. Claro que, a mim e uns tantos outros, faltava qualquer coisa.

Faltava pagar uma taxa qualquer que só pode ser paga num banco. Este simpático senhor fornece-me o papel necessário e diz-me que, apesar da hora tardia, há um banco aberto na estação de Chamartin onde poderei pagar a tão importante taxa. Porque raio tem de ser num banco e não directamente no local onde se trata do restante, não sei.

18.55h – Saio a caminho de novo da estação do metro e oiço: “Cariño! Cariño!”. Uma senhora de meia idade mas que se vestia como tivesse vinte anos e que chamava todas as pessoas por “cariño”, supostamente de nacionalidade de um país do leste, parece dirigir-se a mim (não devia saber o caminho). Fones nos ouvidos e toca a acelerar o passo. Qualquer minuto perdido podia ser fatal nesta luta contra a estupidocracia.

19.10h – Já depois de observar um sujeito com ar de iraniano e com aspecto duvidoso no metro, chego à estação de Chamartin. Na chegada o motorista distrai-se e trava um pouco bruscamente. O suposto iraniano desequilibra-se e cai desamparado. Ao levantar-se e ao sair do metro grita repetidamente: “FILHO DA PUTA DO MOTORISTA FRENOU MUITO RÁPIDO!”. Exacto, senti-me mal por ter pensado que este companheiro emigrante do nosso querido Portugal tinha um ar estranho…

19.13h – Entro no banco, pago e saio em passo rápido de novo em direcção ao metro.

19.25h – Saio do metro já de novo em Estrecho. Olho para o relógio e faltam 5 minutos para o sítio fechar. Esqueço a tendinite que me vem mordendo o joelho direito e corro qual “flash”, como se tirar o NIE fosse uma questão de vida ou de morte.

19.28h – Entro no edifício a tempo. Não era uma questão de vida ou de morte, mas já o considerava uma questão de honra.

19.35h – Após subir para um piso superior após confirmação de identidade, sou atendido por um simpático senhor. Demora um pouco a escrever no computador mas, de facto, a coisa não tardou mais de 10 minutos. Nem uma pergunta sobre o que faço em Espanha. Depois pede-me para verificar os dados, altura em que reparo que Filipe está escrito à espanhola: Felipe. Estes espanhóis…

19.45h – Após ter de fazer tudo de novo, o simpático senhor atribui-me o tão desejado NIE, entrega-me a respectiva folha de confirmação e saio a caminho de casa.

20.20h – Chego a casa derrotado pelo cansaço e penso: “Ainda falam de Portugal…”

Trinta e sete estações de metro e 5 bilhetes gastos depois, apeteceu-me não ser emigrante. É que isto foi apenas para tirar o NIE, caso seja preciso, faltam ainda tantas outras coisas…

Um abraço do estrangeiro em Espanha número: Y0487389-X


3 comentários:

  1. Pelo menos os que se seguem já estao avisados para o que vao...

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  2. Já passei por isso com uma amiga ai em espanha...n se percebe porque raio só se pode pagar numa única agência específica...ao menos é na própria cidade. não te mandarem para barcelona foi uma sorte :)

    viva portugal!

    abraço

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  3. Benvindo a vida de emigras! Lembra-te sempre: o que nao nos mata enrijece-nos.
    Aquele abraco alem-fronteiras,
    Rui

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